quarta-feira, 26 de junho de 2013

Sobre a frusseria...


O chão de terra é tão sujo e poeirento que não se acha digno da pureza cristalina das gotas de chuva. Mas, mesmo assim, sonha com ela. Às vezes chega a sentir o cheiro dela. Vê, lá no alto, o vento levando as nuvens para lá e para cá. Mas nenhuma gota cai na terra seca. Ah como seria se a chuva pudesse descer de tão longe, vir de tão alto para brincar com a terra?


A terra tem vontade de encontrar com a chuva. De tão ansiosa e com a ajuda do vento, procura subir aos ares e quem sabe alcançar as nuvens e pedir um carinho da chuva.


Uma vez a terra já tentou aprisionar a chuva. Logo percebeu que aprisionada, ela não era mais a chuva, somente água. Desistiu do cativeiro e com isso fez nascer o regato e a cachoeira.


E desse jeito, no cerrado passam-se dias e noites e nada de chuva. O sol quente e a lua silenciosa passam e a terra somente espera. Nem chorar a terra pode, porque até o choro é chuva.


Uma vez a terra pôde perceber no vento que a chuva esteve ali por perto, mas foi embora. Chegou até escutar os trovões, que só apertaram a saudade. E com a seca, tudo vai diminuindo, menos a esperança. Seria menos doloroso se a esperança aprendesse a minguar também.


É noite de lua cheia. A noite é o silêncio onde todos dormem. A terra vermelha, com seus olhos secos, olha o céu. Espera, esfacelada em poeiras. Madrugada adentro, de vez em quando, aqui e ali, passam leves sopros do vento, que vem pé ante pé, mexer em alguns galhos secos, mas logo tudo torna a ser silêncio.


E, mesmo com todos dormindo, a terra, como em sonho, vê uma imagem que, aos poucos vai se convertendo num grande vestido, sorrateiro, correndo com inacreditável barulho por entre as folhas secas e galhos pontiagudos, que vão rasgando pedaços do pano e deixando fiapos por todos os lados.


É a chuva, com pés descalços, dançando sorridente na poeira. Sujando seus pés cristalinos com poeira. Milhares de pés. Milhões. Ela vem cantando alto, com a voz mais bonita que existe, espalhando sorrisos que reluzem na noite, como relâmpagos.



Vem batendo palmas de trovões, divertindo-se, segurando seu vestido branco, correndo morro abaixo, subindo em cima das árvores, abraçando os telhados. E finalmente, beijando com sensualidade a terra feliz, que vai virando barro. Então naquela madrugada a chuva dormiu tranquila e mansinha, protegida sobre o peito da terra bruta, que chorou de alegria.



O sol nasceu. Os bichos saem das suas tocas e encontram um amanhecer diferente. A terra acorda e procura as mãos da chuva, mas ela foi embora mais uma vez. Deixou muitos sinais de carinho e de força na terra que olha tudo com melancolia. Os pássaros cantam felizes e todas as plantas parecem dançar, mas nem percebem a tristeza da terra que nesta manhã ainda tem algumas lágrimas para chorar de saudade.



A chuva passou, deixou marcas e alimentou sementes que agora a terra terá que abrigar e cuidar.
É por isso que na lua cheia de maio dá pra ouvir o chão do cerrado uivando para a chuva, que parece ter se esquecido da terra e finge não ouvir o seu surdo lamento.



Ela passa ao largo, flerta com o sol, esconde a lua, brinca com o vento e às vezes até espalha o seu perfume, mas faz pouco caso com a terra estiada. Ao ouvir esse lamento surdo da terra, mesmo nos meses mais secos, em todas as manhãs o cerrado lança à terra o orvalho, na tentativa de reduzir a sua saudade da chuva.